carta.

«Deves estar a descansar a esta hora. Não tarda e os primeiros raios de sol começam a surgir no teu horizonte. Aqui ele já não brilha no céu. Será que vais acordar bem-disposto? Ou, algo que é raro, só muito depois se te pode dizer algo? Estes últimos tempos tem sido povoados por pensamentos como estes. Como estás, o que tens feito, como te sentes, até o que tens vestido.
Nesta última tempestade, e pela primeira vez, senti que te perdi. Porque faltaste, como nunca tinha acontecido. Será que o teu, talvez sexto, sentido se perdeu? Ou pura e simplesmente é ignorado? Mesmo tão longe e distantes, nunca uma palavra tua falhou. Um abraço teu envolto no espaço. Um sorriso levado pela brisa da distância. Milhas que nunca o foram. Mas que agora são espadas, afiadas e cruas, que não nos deixam aproximar.
Senti. Percebi. E despedi-me. Em tantos locais que partilhámos. Talvez o devêssemos ter feito naquela último café a dois, quando ambos percebemos que nenhum de nós o faria e fugimos. Não se apagam páginas inteiras de uma vida. Mas guardam-se. E sei, porque o sinto, que tu já as colocaste numa qualquer gaveta.
Não, não consideres isto uma crítica. Apenas uma contestação dolorosa de quem assina a nota de culpa. Sempre achei que nunca se deve dar nada por garantido. E eu, que sempre acreditei nesse lema, muito menos o devia fazer. Não eu. Mas fiz. E errei. Achei que estarias sempre aqui, porque a eternidade para nós não teria distância. Quando levaste as lembranças físicas, não me importei e deixei. Pensava, que burra eu, que as memórias chegariam, pois tudo o resto estaria sempre ao virar de qualquer esquina. As barreiras não existiam entre nós. Mas existem, porque as criámos. Porque deixámos. Fugimos para a frente numa estrada sem caminho. E tu escolheste o teu.
Um dia, recordo, no meio de uma discussão, com um motivo que ainda mais magoa, disseste-me secamente: "deves ter um grande motivo para agir assim". Não me lembro da resposta, não sei sequer se te respondi. Mas faço-o hoje. Fi-lo, como depois repeti, e acho que sempre o farei, porque nunca amei com o meu lado bom. Esse esconde-se sempre. Foi sempre o lado errado a entregar-se. Talvez seja o único que o sabe fazer. Mas fá-lo tão mal! E, com isso, enterra-me, revolve-me, destrói-me. Merecias tudo de mim, e eu dei-te apenas os poucos que consegui. Quando tentava dar mais, estava perdida em caminhos errados. Foste o meu lado mais egoísta. Peço-te desculpa por isso, e mais sincera não posso ser. Sempre fui egoísta quando o assunto eras tu. Como? Como pude permitir-me isso?! Como deixei que a minha cegueira levasse dos poucos que procurou e me deixou ser.
Agora, é tarde. Percebo-te. E só espero que chegues onde queres. Desejo-o como se fosse para mim. Por isso, a despedida. De letras e não de sons. Porque eu não consigo dizer e tu não queres ouvir. O que me magoa mais. Ter-nos destruído.
Estas linhas devem fazer pouco sentido. Mas andavam-me a consumir à tanto, tanto. Já doía pensar, esconder, guardar. Não sei se quer se fazem juros ao turbilhão que sinto. Tenho esperança que, mesmo escondido, por aqui passes e deixes que te diga o que mereces. Obrigada por me deixares ser, por me ensinares, por não teres desistido de mim. Não foram muitos, e melhor do que ninguém sabes disso.
Não falo em despedidas, aquelas que todos tememos. Não, quando te guardo em mim ainda. Não o que foi. Digo apenas «até já», mesmo sabendo que o breve nunca chegará.
Queria apenas fazê-lo condignamente. Dizendo-te que a ti, amar-te-ei sempre! Porque é no meu lado melhor que estás guardado. E que, quando o sol for dormir, irei sempre sorrir. Porque está a nascer para ti. E sei que nunca vais desistir dele.»

[Comemoras hoje, Timor, seis anos de liberdade, sonhos e obstáculos. Ha'u hadomi o!]

Malae

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