quem sabe.

Podemos pagar toda a vida por uma má decisão tomada quando éramos crianças? Ou no momento em que o deixámos de o ser? Ou é impossível reverter um processo que é toda a nossa vida, que faz de nós o que somos, cortando os pedacinhos, todos os dias? Não é a vida misericordiosa para perceber que, às vezes, o medo é tanto que não fugimos, escondemo-nos? Como se faz? Como se faz?... Malae

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Algum dia vai deixar de doer? Porque o ferro já feriu os ossos e não há mais nada que esconder, nem mais onde aguentar. Malae

carta a Gotze.


«Não sei se é essa língua que arranha, se esse ar gélido. És a personificação das más notícias, o diabo que veio das profundezas do inferno pessoal para me atormentar perante todos e mais alguns. O pior de todos muda de sítio, vai às dobras, e de repente, o mundo desaba. Um segundo. Nem sequer tens ginga ou finta, nada. Vens, ultrapassas-me e eu perco-me. Não sei onde estou e porque ali estou. Se os dias passaram ou eu estou simplesmente deslocado. Vens e eu tento parar a bola, que acho ser o mundo, e não permitir que ela me fuja ao controlo. Não te ries, porque és gélido, mas deixas-me a mim a chorar. Não o vês, porque eu jamais o vou deixar, mas destróis tudo. Sabes o que isso é?! Antes o outro da ginga, que com esse eu resolvo tudo. Ele não se acaba a rir. Mas tu tens um ar gélido. Tu fazes-me falhar, expor-me, lembrar-me do ridículo que sou. E aqueles ali a olharem para mim, a pensarem “o que se pode esperar dele”? Nada. Não esperem nada de mim, nada bom, nada. Porque tu mesmo com esse ar gélido vais voltar a cruzar-te comigo. E eu vou lembrar-te que sou pior do que qualquer inferno pessoal. Só que nessa altura já não tenho nada. Nem o orgulho prometido que parti ali, em milhares de vidros pequenos. E não há nada que mais me mate do que isso: falhar, ali, para toda a gente ver, sem ninguém perceber, aos olhos de quem acredita em mim. Em mim, de quem nada devem esperar. E tenho que calar. A seguir vem outro igual a ti, a bola escapa, a bola queima, não é a bola, é a vida, é tudo. Por muito que vos mande para a puta que vos pariu, vocês multiplicam-se, vocês são mais, vocês brincam com o meu ridículo. Massacram, massacram, massacram. E eu que nem me quero lembrar do teu nome, que procuro o teu colega, porque um dia fiz uma promessa que nunca consegui cumprir, só sinto os vidros partirem. Tu não tens ginga, não tens nada. Tu não me provocas, não me atacas. Como é que eu posso ganhar-te? Vais ser sempre mais forte do que eu e o meu melhor não chega para te travar... Afinal, eu sei. É esse ar gélido.» Malae


(das metáforas.)